sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Na janela

Eu estava em algo como o superior tribunal nacional, com a presença do próprio Berlusconi, que viera para certificar-se de que eu seria mandado para a mesma cela que o Saviano, a qual compartilharíamos pelo resto de nossas vidas. Ele tinha sido condenado por matar um camorrista, em legítima defesa, diga-se de passagem; eu por defender Battisti duvidando do seu rótulo de terrorista.

Foi um sonho horrível! Na verdade, um pesadelo. Durante o julgamento, eu torcia para que as pessoas estivessem assistindo Ballando con le stelle ou Ruota della fortuna para que meus poucos amigos não me vissem naquela situação. Que bobagem! Além disso, Samanta Togni e Victoria eram um bom contrapeso na decisão dos telespectadores. Naquela noite, no meu sonho, a Samanta estava tão perfeita que até mesmo sua clavícula chegava a ser atraente. Despertei-me suado, ofegante, angustiado, e aos poucos fui dando-me conta da realidade, que também mais parecia um sonho, algumas vezes um pesadelo.

Andei até a janela; talvez a descrição mais correta seria porta. Abri-a e saí na varanda de onde se vê todo o movimento dos carros e pessoas no cruzamento onde se encontra o apartamento que alugo, dividindo com mais três pessoas. O lugar não é lá grandes coisas, mas foi um dos únicos onde o proprietário aceitou fazer um contrato regular de aluguel para que eu pudesse apresentar na "questura", juntamente com uma avalanche de outros documentos, e poder pedir a documentação de residente por um ano como estudante. Não posso dizer quais são todos os documentos necessários para esse trâmite pois isso nunca esteve muito bem definido, pelo menos pra mim. Bem, e como estava dizendo, logo de frente ao apartamento está uma igreja. Nessa cidade é difícil escapar delas. Ah! Agora me lembro! Foi o barulho das badaladas dos sinos que me acordou. Esse se confundiu com meu sonho e fez com que eu acreditasse que o sino do tribunal estava tocando...

Lá embaixo era horário de muito trânsito. Lambretas, carros, ônibus e motos formavam uma serpente que se contorcia em todas as direções possíveis na longa avenida. Um evento em particular, mas não tão absurdo comparando com outros tipos de comportamento que aprendi a conviver, me chamou a atenção: um carro estacionou. Não na transversal, enquanto todos os outros estavam estacionados paralelamente à calçada; essa falta de orientação para estacionar já era corriqueira. Tampouco foi que dito carro estacionou em cima das faixas de pedestre; pois aquelas "vagas" já estavam ocupadas, ou melhor, parou, sim, em cima da faixa de pedestres, mas não encostado na calçada e sim no meio da rua, e além de tudo com o farol de trânsito no verde. O indivíduo, que costumam chamar ali de motorista, desceu do carro e gritou para o amigo que estava na calçada: - Enzo!!!! Enzo!!!! Como vai???? - Oi la, Marco!!!!! E os dois começaram a conversar alegremente. Enquanto tudo isso acontecia, ninguém se alterou. Os outros veículos iam podando pela esquerda, direita, como era possível, deixando o contorcer da serpente ainda mais interessante e caótico.

Depois de combinarem onde tomariam a cerveja com pizza para o jantar, depois do farol já ter aberto e fechado umas seis vezes e os pedestres terem passado, alguns deles quase por cima do capô do carro, com toda a naturalidade do mundo, Marco entrou no seu fiat 600, já todo desbotado, arranhado e batido; suuuujo.... e percebeu que não podia ver a cor em que o farol de trânsito estava, pois havia parado bem debaixo desse. Sem problemas: era só esperar que algumas dezenas dentre os automóveis que estavam atrás dele dessem umas buzinadas para avisá-lo que o farol abrira.

Quis me afastar da barulheira e decidi entrar para começar minha jornada. Tinha que sair mais cedo pois era dia de greve programada nos ônibus. Tentei afastá-lo, mas um pensamento foi mais forte que minha vontade e questionou-me: eu não tinha vindo para a Europa?